CONTOS TEATRAIS

Ο Θεός Catharsis: Deus em catarse ( O dia D Saramago)

Num cenário azul, Deus está sentado em uma poltrona, em meio a nuvens de algodão. Sobre uma mesinha, O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago.
Quem se aproxima é o próprio.
Parecendo hesitante, olha para todos os lados, como se não acreditasse estar ali.
 Deus (abre os braços): ─ Até que enfim, chegou! (Movimenta o braço direito indicando que se aproxime) ─ Chegue mais perto! Estou a sua espera há tanto tempo!
 Saramago: ─ Esperava por mim, de verdade? Pois confesso que nem eu esperava chegar aqui algum dia. Eu, hein, entrando no céu... Pensei que iria direto pro...
 Deus: ─ Alto lá! Que o seu acesso ainda não está liberado. Primeiro teremos que rever algumas coisas, superar traumas, resolver injustiças cometidas...
 Saramago não deixa que ele continue: ─ O Senhor que falar sobre o meu livro não é? Não acha que já paguei um preço alto por ter cometido o PECADO (fala essa palavra com uma entonação de ironia) de tê-lo escrito? Veja bem, fui julgado e condenado em meu próprio país, pela Igreja, pelo governo...
 Deus: ─ Não reclame, que foi muito premiado também por essa droga de livro! 
Saramago: ─ Mas minha reputação ficou abalada para sempre. Sofri hostilidades e tive que abandonar minha terra. Fiquei longe até hoje, dia de minha... morte. 
Deus: ─ Reputação? O senhor vem me falar em reputação? O seu livro foi um golpe na MINHA reputação. Até agora, eu não consegui me refazer. 
Saramago: ─ Bem, em primeiro lugar quero dizer que eu nunca quis convencer ninguém da veracidade da história que contei. Ao contrário, em cada página eu procurei lembrar aos leitores que estava apenas fazendo uma abordagem ficcional. Veja, aqui por exemplo: 
Toma nas mãos o livro que está sobre a mesa e o abre. Lê um trecho da página com voz pausada e firme:

“... o episódio imaginado e descrito não é nem poderá tornar-se nunca em fato, em dado da realidade, e nela tomar lugar, ao menos que seja capaz de o parecer, não como no relato presente, em que de modo tão manifesto se abusou da confiança do leitor...” 

Deus: Quanto a isto sou até capaz de concordar. Mas de que adianta? O senhor sabe muito bem que o simbolismo da ficção é até mais importante que a realidade. Querendo ou não, seu livro conseguiu fazer qualquer um sentir-se dentro de todo aquele cenário cultural e social que envolveu a vida de Jesus Cristo na terra. 
Saramago: Pode ser, só que muitos, pensando em ver meu livro sob os olhos da Verdade, mostraram-se cegos em suas próprias verdades. Tomaram o meu livro e pariram sobre ele uma interpretação disforme e totalmente mutilada. Eu só quis retratar um Jesus humano como todos os outros. Alguém capaz de sentir medo, dúvida, tristeza e tantas outras emoções que os humanos conhecem. Retratei um homem contestador, que em sua época se destacava dos outros pela sua inteligência e coragem. Um sábio que tomou para si as dores do mundo e acreditou que os homens pudessem mudar, a ponto de alcançar a perfeição. 
Deus: Mas EU sou a perfeição! E, no entanto, como o senhor me retratou? Classificou-me como um Deus sedento de sangue. E que cobiçava o poder terreno! Por mais que eu me esforce, não consigo engolir aquela parte em que o senhor narra um diálogo entre meu filho e eu, em que são enumerados todos os amigos dele que viriam a morrer por minha culpa. E em ordem alfabética! De A a Z! É o cúmulo da desfaçatez de sua parte! 
Saramago: Eu não escrevi que foi por sua culpa! 
Deus agora pega o livro e o abre: Mas aqui está! Agora é a minha vez de mostrar-lhe. Veja! 
Saramago fica parado observando a cena em que Deus se afasta para um outro plano, onde mantém o diálogo com Jesus em um barco em meio à neblina:

Estou à espera.
De quê?
De que me digas o quanto de morte e de sofrimento vai custar a tua vitória sobre os outros deuses.
Insistes em querer sabê-lo?
Insisto.
Pois bem, o único Deus sou eu, eu sou o Senhor, e tu és o meu Filho. Morrerão milhares, Centenas de milhares, Morrerão centenas de milhares de homens e mulheres, a terra encher-se-á de gritos de dor, de uivos e roncos de agonia, o fumo dos queimados cobrirá o sol, a gordura deles rechinará sobre as brasas, o cheiro agoniará, e tudo isto será por minha culpa,
 Não por tua culpa, por tua causa, Pai, afasta de mim este cálice,
Que tu o bebas é a condição do meu poder e da tua glória,
Não quero esta glória,
Mas eu quero esse poder.

A neblina fica mais espessa e quando enfim se dissipa, Deus já encontra-se sentado em sua poltrona, olhando para Saramago, ainda com o livro nas mãos à espera de mais explicações. As queixas continuam: 
Fez de mim um Deus mesquinho, que queria poder e glória mais do que tudo. Escreveu que para conquistar mais adoradores, usei Jesus como ferramenta. 
Recita mais uma parte do livro:

"Vai, ande a pregar o arrependimento. Diga: Arrependei-vos. Não há ser humano que não tenha pecados. Ah... e se eles não te derem ouvidos, use a imaginação, conte parábolas, e não se preocupe se eles não as entenderem, deixe-lhes ficar a dúvida e pensar que se não conseguem entender, a culpa é só deles. Para arrematar, tu morrerás numa cruz, morrerás como um mártir para seres lembrado no futuro, e ampliar meu domínio sobre as terras a serem descobertas.”

Deus fecha o livro com força e o joga de volta à mesa:Francamente! Nego-me a continuar lendo! O senhor virou as costas ao único que sempre esteve de braços abertos para toda a humanidade. Eu sou o Deus único e verdadeiro. Fui eu que providenciei a salvação de todos, através do meu filho Jesus. 
Saramago tenta ainda uma última possibilidade de conciliação: ─ Senhor, embora eu tenha sido um cético, um descrente da política, da ideologia e das religiões, por toda minha vida eu nunca deixei de acreditar no amor. Acreditei no amor que Jesus e seus seguidores espalharam pelo mundo. Não como anjos ou deuses, mas como homens dotados de razão e compaixão. E Jesus superou a sua condição humana quando deu a vida pelos homens. É esta compaixão que agora espero de vós. 
Uma luz forte acende-se num plano imediatamente superior. 
Deus: Está bem, vou permitir sua entrada. Até porque o meu próprio filho pediu. Ele sempre simpatizou com o senhor. Disse-me que terá o maior prazer em conhecê-lo pessoalmente. Vá até ele! Jesus está logo ali adiante! 
Saramago caminha em direção à luz. Antes de desaparecer, volta-se e chama em voz alta: 
O Senhor não vem? 
Deus grita de volta: 
Eu vou depois. Tenho que esperar mais um. Quero estar aqui quando Dan Brown chegar! 
Depois, baixa o tom da voz, como se falasse apenas para si mesmo: 
Este sim, vai ter muuuuito que se explicar!

A luz se apaga. 







FAMA FUGAZ 

O local deve representar uma pracinha de uma cidade qualquer. Alguns bancos, algumas árvores, dois postes com luminárias e um espaço amplo no centro.
Está anoitecendo e uma pequena multidão começa a se reunir ali, atendendo ao chamado de um homem, um forasteiro que se parece tanto com um mágico como com um inventor de bugigangas. Chama-se Nécio Casarola e está parado no centro do lugar. Ao seu redor, uma parafernália de máquinas, latas, placas de vidro, fios e caixas com lâmpadas de todas as cores.
NÉCIO CASAROLA (chamando com um megafone): ─ Venham todos, cheguem mais perto! Venho de muito longe trazer uma maravilha para o povo desta cidade.
Ainda são poucos os que se achegam, meio desconfiados. Ele faz um alvoroço maior ainda:
 ─ Venham para a praça! Venham ver uma mágica nunca vista antes! Aqui na vossa frente vou fazer aparecer algo sensacional! Venham! Venham!
Mais gente vem chegando. Juntam-se um pouco desconfiados, mas todos querem chegar mais perto. Alguns chegam a se empurrar, já bem mais interessados em procurar um lugar em que possam ver melhor. Logo está ali um grande grupo de pessoas e é este o momento que Nécio Casarola escolhe para iniciar a apresentação do espetáculo que estava anunciando.
─ Chegou a hora, minha gente! Preparem seus olhos. Preparem seus ouvidos. Preparem o seu coração!
Com toda pompa, começa a montar a aparelhagem. Abre caixinhas e mais caixinhas, conecta os fios às máquinas e monta as lâmpadas coloridas. As luzinhas acendem e apagam, acendem e apagam... Os sons que produzem também são curtos e intermitentes.
O ambiente escurece mais e apenas uma luz forte incide sobre o Nécio Casarola, enquanto que as pessoas que o observam ficam só à meia-luz.
─ Toda a atenção aqui, meu povo! Agora vai acontecer algo tão imprevisível quanto jamais imaginável!
As pessoas mostram-se cada vez mais curiosas e impacientes. Alguém lá no meio grita:
─ Mostra logo! Quero ver que mágica tão boa é essa.
Ele continua trabalhando. Agora parece imerso em sua atividade, como se não houvesse mais ninguém ali.
No momento que se segue, uma das máquinas emite uma luz muito forte e um som vibrante. Formas e cores indefinidas se misturam no ar e de repente caem num feixe de luz em direção ao solo. Como se fosse mesmo um passe de mágica, é ali, naquele feixe de luz, na frente de todos aqueles olhos atentos, que surge uma jovem, em princípio imóvel, com os joelhos dobradas, os braços caídos e o corpo agachado para a frente. Em seguida, como que ganhando vida, fica em pé e olha para eles.
─ Ooooohhhhh! ─ É o único som que se ouve agora. Olham para a moça e para o forasteiro como se fossem uma heroína e seu herói.
Mostra uma aparência perfeita, com olhos brilhantes, quase fosforescentes, cabelos loiros, esvoaçantes. Um corpo de linhas suaves e uma roupa leve, longa e transparente. Começa a se mover com gestos graciosos, como se tivessem sido ensaiados. Quando abre a boca, ouve-se uma voz doce e calma que faz bem aos ouvidos.
Nécio Casarola ordena que cante para o público que ali se encontra e ela entoa uma canção numa língua estrangeira, em notas perfeitas.
Nenhum deles ousa sequer encostar-lhe um dedo. Mas ninguém arreda o pé dali. Nécio Casarola a deixa ali na frente, enquanto passa o chapéu, recolhendo trocados, com expressão satisfeita. Todos são generosos quando se trata de heróis.
Algumas mulheres começam a fazer conjecturas entre si.
─ É uma princesa!
 ─ É uma feiticeira!
─ É um anjo!
Todos continuam ali, extasiados, olhando para a moça e ouvindo suas canções com voz tão suave, que parece mesmo um anjo cantando.
            Nesse momento, ninguém percebeu ainda um cavalheiro que observa tudo, de longe. Depois de um tempo, começa a se aproximar, vem abrindo caminho entre as pessoas.  Destoa dos demais, que foram à praça com suas melhores roupas. Ele ainda porta as vestes da lida no campo, com certeza é um cowboy, pelos trajes, pelas botas e pelos passos um tanto rudes. É mesmo Beto Cowboy e quando chega mais perto, traz um laço pendurado no cinturão, dando a impressão de que deixou seu cavalo ali por perto. Levanta um braço e abre a boca para falar, atraindo a atenção de todos. Primeiro dirige-se ao forasteiro:
BETO COWBOY: ─ É um absurdo isso que o senhor está fazendo! Como pode expor essa moça em praça pública, como se estivesse à venda, como se fosse seu dono?
Nécio Casarola não dá conversa e começa a empurrar o cowboy, mas ele se desvia e se aproxima da moça.
Ajoelha-se á sua frente, toma sua mão, fixa seu rosto e se declara:
COWBOY: ─ Senhorita, tocou meu coração com todo esse seu encanto.
A moça o encara com olhos suplicantes.
MOÇA: ─ Leve-me com você! Por favor, rapte-me!
Beto Cowboy não espera mais nada. Toma-a nos braços e num impulso joga-a sobre os ombros e começa a correr por entre as pessoas, ao mesmo tempo em que joga o laço para a máquina que fizera nascer a moça.
As pessoas abrem-lhe espaço, aturdidas, mas admiradas. Ninguém esboça nenhuma reação. Apenas olham para o novo herói.
NÉCIO CASAROLA (grita desesperado): ─ Minha holografia! Devolva minha holografia! Volte aqui! Volte...
Dois homens começam a se retirar, mas antes comentam:
 ─ Holografia? Que nome mais feio pra uma moça tão bonita!
─ É mesmo, que mau gosto tem esse forasteiro! Vamos embora, que já é tarde.
Todos que assistiam passam a se dispersar e se retiram de cena.
Todas as luzes se acendem e ao claro do dia ainda se vê o cowboy correndo de um lado para o outro, como se realmente carregasse alguém nos ombros e puxando uma enorme máquina na ponta de uma corda.
Até cair o pano.