O FLAUTISTA



       Só há um caminho a percorrer. Uma única viela que leva ao rio. As primeiras notas produzem um som doce e intenso que ecoa e se difunde nos ouvidos, primeiro distraídos, em seguida atentos. Os primeiros passos logo tomam ritmo de dança, seguindo outros passos que convidam: ─ Sempre em frente! Os olhos procuram aquela boca encantadora, que toca e aquelas mãos que seguram a flauta e se movem, com dedos ágeis em seus orifícios, produzindo melodias como um sopro divino.

       Os que observam, parecem não acreditar no que vêem. Um exército de ratos, em ritmo harmonioso, desce dos telhados, pelas paredes, sai debaixo dos porões, dos bueiros e das enormes pilhas de lixo. Seres humanos são tão descuidados!  Milhares de pernas e pezinhos marcham, deixando para trás restos de comida. O som da flauta faz sonhar com recompensas muito mais apetitosas. Cada nota desperta um desejo de mordiscar sabão cheiroso e papel branquinho. Desafia a roer madeiras caras e roupas de seda pertencentes a reis raivosos ou não; queijos enormes como a lua cheia, cereais madurinhos, maçãs e carne em fartura.

             É como se aquele som pertencesse a uma voz celestial que repete: ─ Devorem, nobres ratos! Degustem, roam! Está tudo ali, tudo de uma vez, café, almoço e jantar. Falta pouco, floresta adentro, apenas alguns passos mais.
       Mas no fim do caminho há o rio. Um espelho cristalino que se turva diante do turbilhão de ratos que não se detém às suas margens e mergulha aos montes. Um redemoinho os leva para o fundo. Para eles é o fim.
       Os que ficam, sorriem aliviados. Os ratos se foram. A cidade, antes infestada, conseguiu livrar-se da maior praga que já houve. As mãos aplaudem. Deixam de lado paus e pedras, antes sempre à mão. Não há mais ratos. Agora só haverá saúde, paz e felicidade. Podem dar-se as mãos e festejar. Por um momento apenas, esquecem as diferenças. Damas rendadas e senhores engravatados saem de suas casas para abraçar moradores de rua. Velhos e moços dançam juntos. Meninas engomadinhas brincam com meninos de joelhos arranhados. A festança é geral.
       O alívio é maior entre os senhores que governam a cidade. Acabaram-se as insinuações, os olhares desconfiados e as cobranças. Agora podem dizer:
       ─ Eu sabia! ─ Encastelados no alto das escadarias lançam olhares benevolentes para o povo que vem agradecer. ─ Não há de quê!  ─ Sentem-se eles os heróis. O verdadeiro se foi junto com os ratos. Logo mais será esquecido. Ao fecharem-se os portões não há como voltar.
       No entanto, os corações não estão tranquilos. Ao fim da festa, há um certo descontentamento, um breve lampejo de contrariedade. Hesitam um pouco, dão-se as costas. Está faltando alguma coisa. 

       Meses depois, finalmente o tocador de flauta consegue entrar. Um vulto esquelético, coberto por uma capa velha e amarrotada anda cabisbaixo pelas ruas. Ninguém reconhece nele o jovem elegante, de longa cabeleira dourada que veio negociar da outra vez. É anunciado com um nome qualquer, entra, olha, desveste-se da capa e se revela. Os senhores que governam a cidade nem o cumprimentam e ordenam que se retire.
       Lá fora ele caminha, não sente nada, não enxerga nada. Retira a flauta do bolso e toca, enquanto anda em direção aos portões. Do outro bolso salta um casal de ratos. Esconde-se numa velha bota largada na rua. É um bom lugar pra fazer um ninho. Os seres humanos são tão descuidados!
       Aquele som doce e intenso ecoa novamente pelo caminho. Mas agora soa diferente. É como se os anjos estivessem brincando, de verdade. Porque as crianças param de brincar. Largam seus brinquedos num canto, largam os livros sobre os bancos da escola e os lugares nas mesas do almoço ficam vazios. Os adultos não conseguem segurar. Meninos e meninas não resistem a um som assim. Enquanto escutam o som da flauta vão sentindo a magia. Tornam-se marujos, astronautas e acendem-se os sonhos adormecidos. Viajam para o País das Delícias Eternas. Será que alguém tentará impedir? Não há mais tempo. Já se foram. Passaram pela brecha do portão. Uma fenda convidativa aos olhos cintilantes.
       Depois de desaparecerem, muito além dos muros da cidade, ainda se ouvem as risadas e os passos alegres da marcha, acompanhados pelo som da música.
       Os que ficam garantem que nada mais poderia ser tão belo.