RICA VIDA SIMPLES

       ─ Hora de dormir, princesa! Você quer que o papai lhe conte uma história?
       ─ Hoje não precisa, papai.
       ─ Que novidade é essa? Você sempre pede uma história antes de dormir.
       ─ É que a história vai demorar muito, papai. E eu quero dormir logo. Veja, já estou fechando os olhinhos...Pronto!
       ─ Por que tanta pressa em dormir?
       ─ É que eu quero que a noite passe rápido. E que amanhã chegue logo. Pra chegar logo meu aniversário.
       ─ Seu aniversário? Não é amanhã...
       ─ Ora, paizinho! Você esqueceu que eu resolvi fazer aniversário a cada nova estação?
       ─ E quantos aninhos a minha princesinha vai fazer amanhã?
       ─ Não é quantos, papai. É qual... Amanhã é meu aniversário de Primavera. Boa noite, Papai!
       ─ Boa noite, filhinha, durma com os anjinhos!
       Encerrando o diálogo, Nati vira-se de costas para a porta do quarto e mantém os olhos apertados, torcendo para que o sono chegue logo. O sono vem e com ele, os sonhos.      
       Os sonhos trazem imagens de estações anteriores, cheias de aniversários festejados com as pessoas que ela amava, na pequena cidade que se transformava para a festa de cada estação.
A Natureza também fazia sua festa, para homenagear mais uma fase da vida da menina que crescia. Cada uma delas era vivida de maneira diferente.
       Os verões eram tempos de muita convivência. Nas horas de sol a pino, o trabalho ficava para depois, as pessoas se recolhiam para a sesta, em seus quartos frescos ou sentavam-se à sombra das árvores para fugir do calor. Momentos de maravilhosas conversas, risadas e jarras de refresco. Dias mais longos e brincadeiras adentrando as noites. As ervas do chão secavam e ficavam cor de palha assim como a pele e os cabelos da garota, que douravam com os raios de sol.
       Dias de sol sempre antecedem a chuva e logo as campinas verdejavam novamente. Na época das colheitas, os quintais se enchiam de alegria. Cantorias de pessoas, pássaros e cigarras misturavam-se aos zumbidos de grilos e gafanhotos, saindo de jardins e trigais. Nati, saltitante a perseguir borboletas, logo se debruçava para cheirar uma flor. Seguia com o dedinho a estradinha aberta pelas formigas, num labirinto que ela nunca conseguia descobrir onde iria terminar.
       Era só mais uma primavera que terminava. Mais um ciclo que se ia. Em outra época, outonos davam um sabor especial, ora adocicado como as amoras, ora azedo, de tangerinas ainda verdes, na pressa de prová-las. O outono era colorido e belo, com as folhas amarelando e caindo.
       Já bem fora do tempo das frutas e das flores, Nati observava a chuva que caia, primeiro fininha, depois fria. E, de repente, era um frio cortante que descia dos montes. As manhãs nasciam brancas de geada.  A noite escutava o assovio do vento. Era a hora da lareira acesa e das conversas ao pé do fogo. Outro dia amanhecia e tudo ficava cinza. Logo, era a neve que caia e tudo ficava branco. As crianças se embolavam no chão, deliciadas por aquele milagre de beleza infinita. Enchiam as mãos de neve, queriam guardá-la para depois, levar para casa, mas lá chegavam com as mãos geladas, molhadas e vazias. Era a beleza que se esvaia por entre os dedos, mas que ficava guardada na alma.
       São as imagens do sonho que se esvaem. Nati desperta quando mamãe, toda contente, entra no quarto de mansinho e abre as cortinas.
       ─ Hora de acordar, senhorita! ─ Mamãe se aproxima da cama e Nati já vai preparando o rostinho para ela beijar.
       ─ E o papai, já foi trabalhar?
       ─ Já foi, sim. Mas ele disse que volta para o almoço.
       ─ Meu almoço de aniversário, não é, mamãe?
       Atrás dela entram os irmãos, o vovô e a vovó, trazendo um embrulho enorme. Em meio a sorrisos e abraços, todos brincam com seu dia de aniversário. O presente é a linda Boneca de Pano feita, às escondidas, pela avó. Nati sorri, maravilhada pela doçura daquele momento.
       ─ Humm, essa boneca tem uma carinha misteriosa! Mas é tão linda!
       Abraça a boneca, como a mãe sempre abraçou a filha e pensa no seu pequeno mundo, junto com sua gente. Adora seus dias de aniversário, cada um deles tão diferente. De um jeito simples, fazem aprender coisas novas. Nati ainda não sabe que cada coisa aprendida vai formando, delicadamente, um imenso tapete verde, cor de palha, branco, dourado e cinza.