sábado, 3 de setembro de 2011

Resignação


O complexo está silencioso a esta hora da noite. Mas basta apenas um olhar mais atento para que a imaginação se encarregue do resto. Não é difícil imaginar centenas de prisioneiros em um pavilhão, sofrendo as mais profundas humilhações. O ato aqui relatado se desenrola no complexo montado pelos nazistas nos arredores da cidade. Um ato que se destina a contar uma história de atrocidades.
            O bloco é revestido de tijolos, lembrando vagamente um quartel e abriga todo o terror daqueles dias, em Tessalônica.
Os primeiros passos se ouvem. São passos de uma marcha arrastada, de pés descalços e cansados. Aquele grupo de pessoas tinha sido retirado à força de dentro da igreja de São Demétrio onde havia se refugiado. O momento é o da chegada dos prisioneiros ao campo em que são recebidos e selecionados. Três soldados nazistas acompanham um pequeno grupo que foi separado dos demais. Joseph, Esther, a filha Sara e mais algumas pessoas são levadas aos empurrões para um local enumerado como Pavilhão Dez. É uma visão impressionante, ainda mais quando se observa que há mais crianças entre eles e nem mesmo os pequeninos recebem um tratamento diferente. Todos são empurrados para dentro com violência. As portas são trancadas. Por parte dos presos não há gritos, nem reclamações, apenas alguns gemidos de dor.
      Já dentro do pavilhão, a pequena Sara, uma garota com pouco mais de sete anos, não consegue entender o que está se passando:
─ Papai, o que vai acontecer conosco?
Joseph olha para o alto e responde: ─ Só Elohim é quem sabe, minha filha!
 ─ Acho que Elohim não quer nos ajudar.
Esther intervém: Devemos ser pacientes e não desesperar-nos com o que está sucedendo, porque o único Elohim de Israel obra seus planos à sua maneira e desde seu espaço, que é maior e mais alto que o nosso.
Joseph: É sim, minha menina! Ainda que pareça que não é correto o que está nos acontecendo, devemos lembrar que os caminhos do Todo Poderoso são mais elevados que os nossos. Para dar-nos o que esperamos, o fará em seu tempo e à sua maneira.
      Enfia a mão por baixo do casaco e de lá retira uma boneca que havia escondido dos nazistas. Alcança a boneca para a filha e sorri ao ver o brilho do seu olhar.
      Deita-se no piso frio e estica o braço como a servir de travesseiro para a esposa e a filha.
Joseph: ─ Os outros dormem. Vamos tentar, nós também, pelo menos um pouco.
       Às primeiras luzes do amanhecer as portas se abrem e se pode contemplar as condições sanitárias desumanas nas quais passaram a noite. Os prisioneiros são trazidos para fora, enfileirados e levados em direção a outra porta. Entram ali e depois de algum tempo, quando saem, parecem seguir todos um mesmo padrão. Vestem o mesmo uniforme, cabeça raspada, a maioria já tem os olhos fundos, magros. Encaram-se uns aos outros com expressão apavorada, própria de quem sabe que a morte está próxima. Mesmo em silêncio, seus olhos parecem gritar por socorro.
      Passam pelo local dos fuzilamentos, onde há corpos caídos, após terem sido atingidos por disparos mortais. A sensação de terror é inevitável. 
      Totalmente imersos nesse clima de horror, são conduzidos até a construção que abriga a câmara de gás e o crematório. Lá dentro deve haver mais de uma centena de outros judeus, pois agora sim, ouvem-se seus gritos.
      Do lado de fora, dois soldados nazistas conversam, enquanto um deles pega uma boneca que restou caída no chão.
─ Coisa boa, esse gás ziclon-b! São trezentos mortos, de uma só vez!
      Lá dentro, os gritos já haviam cessado por completo.
      O outro olha para o crematório com expressão sádica e complementa: ─ Trezentos judeus mortos! Seus corpos agora reduzidos a cinzas... Este é um dia para nunca mais esquecer! Com que orgulho contarei esta história para meus netos!
      Ao fundo ainda ouvem-se risadas de outros soldados da SS. Eles falam alto, sobre jogos, bebidas e mulheres. Aos poucos, tudo vai ficando escuro. Até não se ver mais nada. Também, nada mais se ouve. O complexo está silencioso a esta hora...

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